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Arquivos da Constituinte de 1823 estão digitalizados e acessíveis ao público

Acervo Assembleia Constituinte de 1823 Decreto de convocação da Assembleia Constituinte, publicado antes da independência do Brasil Uma assemblei...

02/05/2023 às 10h45
Por: Correio Fonte: Agência Câmara de Notícias
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Decreto de convocação da Assembleia Constituinte, publicado antes da independência do Brasil - (Foto: Acervo Assembleia Constituinte de 1823)
Decreto de convocação da Assembleia Constituinte, publicado antes da independência do Brasil - (Foto: Acervo Assembleia Constituinte de 1823)

Uma assembleia constituinte é um colegiado de parlamentares escolhidos pelo voto que tem como função criar ou reformar o ordenamento jurídico do país, por meio de uma Constituição, a lei maior de uma nação. A primeira experiência parlamentar brasileira foi a de 1823. Seus mais de 3 mil documentos originais estão no arquivo da Câmara dos Deputados e podem ser consultados pela internet.

O diretor da Coordenação de Arquivos da Câmara, Vanderlei Batista dos Santos, explica o conteúdo do acervo: “Esse conjunto tem 3.697 peças distribuídas em 12 latas, em 8 volumes de códice de pesquisa e 53 documentos em grandes formatos, ou seja, tabelas, plantas, mapas, e ainda nove volumes de publicações impressas. Ele tem uma estrutura de fundos e de temas. Está totalmente disponível no site do Arquivo Histórico da Câmara. A gente colocou seis séries principais: registro de documentos gerais, documentos sobre instalação da assembleia, projetos, indicações e requerimentos, pareceres e expediente, são as correspondências. Esse acervo está totalmente digitalizado e está disponível online na internet”.

Santos dá uma primeira ideia sobre a relevância do conteúdo desses arquivos: “A importância dele para os pesquisadores é que, pela primeira vez, está sistematizado oficialmente em termos legislativos informações sobre o que era o Brasil. Pensando o que deveria se colocar na Constituição, todo mundo que tinha algum interesse passou a enviar solicitação de informação para a Constituinte, de modo a tentar propor que seus interesses entrassem na Constituição. Todas as variações possíveis de temática vão estar nesse acervo de 1823, com uma observação, dois séculos no passado. Vai ter informações sobre que tipo população era, que tipo de problema interessava à sociedade. Nessa época, o que era mais comum era gente falando sobre a questão da escravidão. Gente sendo a favor e gente sendo contra. É uma excelente forma de entender o Brasil naquele período”.

Atas da primeira e da última sessão da Assembleia Constituinte
Atas da primeira e da última sessão da Assembleia Constituinte - (Foto: Acervo Assembleia Constituinte de 1823)

Uma historiadora que pesquisou os arquivos da Câmara, Andréa Slemian, professora da Universidade Federal de São Paulo, fala sobre a importância que esses documentos tiveram sobre seu trabalho de pesquisa.

“Ainda que todo mundo veja o arquivo como um monte de papel paradinho ou velho, ele é a possibilidade de você construir a dinâmica, ou parte da dinâmica, dos temas que estavam em questão, dos problemas que estavam em questão, dos conflitos que apareciam e também das demandas da própria população. Falando sobre as minhas pesquisas sobre o momento constitucional do Brasil, estudei até o período regencial do Império. O arquivo da Câmara dos Deputados foi absolutamente fundamental. Se você entra na página da Câmara, você consegue ter acesso a todos os diários e anais dos debates da assembleia. Você lê o que foi registrado nas discussões”.

A pesquisadora dá um exemplo do que pode ser encontrado entre os documentos da Constituinte de 1823: “Você pode encontrar no arquivo toda a movimentação, todas as trocas e chegadas de documentos que eram encaminhados para as câmaras, todo o trabalho das comissões que trabalhavam muito mais fora do plenário do que nele, recebendo documentos, fazendo parecer, encaminhando questões. Uma das primeiras pastas que eu vi era a pasta da Comissão das Câmaras. Uma pasta superinteressante, porque não só as câmaras mandavam suas demandas, como era a comissão que cuidava das câmaras que propunham medidas. Pastas que demonstram tanto o que chegava da sociedade, como demanda muitas vezes, ou que era encaminhado por outros órgãos à assembleia legislativa. E tem o trabalho interno dos deputados”.

Para a historiadora e pesquisadora Isabel Lustosa, há várias formas de pesquisar uma documentação desse tipo: “Não só tem o lado da relíquia, mítico, mas também o lado do documento útil ao historiador. O documento não envelhece. O que muda são os métodos de pesquisa, as abordagens. Claro que esses documentos precisam ser mantidos e precisam estar acessíveis para os pesquisadores, para o cidadão. E inclusive em estudos que estão sendo feitos comparando esses projetos, as transformações que a Carta de 1824 vai sofrer durante a regência, as modificações e tentativas de dar um caráter mais federalista ainda durante a regência. Tudo isso é tema para os estudiosos da história das constituições no Brasil, que hoje é um campo importante tanto na área do Direito quanto da ciência política.”

Projeto da Lei de Imprensa e consulta de uma província
Projeto da Lei de Imprensa e consulta de uma província - (Foto: Acervo Assembleia Constituinte de 1823)

O escritor e jornalista Laurentino Gomes diz que documentos desse tipo permitem que possamos compreender melhor nosso passado e presente. “Ele mostra o que as gerações que nos precederam fizeram ou deixaram de fazer. Quais foram os debates? Por que as soluções que foram propostas no passado não aconteceram? Ou por falta de coragem de nossas lideranças ou por força das circunstâncias? Não é por falta de discussão de ideias e de projetos que o Brasil hoje é um país pobre, um país que perde oportunidades. Muitas coisas importantíssimas que foram discutidas na época da independência, e na Constituinte, que se tivessem sido adotadas nos teriam elevado a um patamar muito superior de desenvolvimento. Tem um Brasil que ficou travado no tempo ao longo do século 19. Guardar essa documentação é muito importante para entender como nós fomos acumulando passivos históricos e que hoje atravancam nosso desenvolvimento”.

O pesquisador cita José Bonifácio de Andrada e Silva como exemplo. “O projeto de Brasil que o José Bonifácio tinha faz sentido ainda hoje. Ele defendia reforma agrária, o fim do tráfico negreiro, o incentivo à educação, à indústria, ao comércio e até a transferência da capital do Rio de Janeiro para o interior. E isso não aconteceu."

Nessa documentação, há estimativas sobre a população brasileira à época da independência. Diz-se que o país tinha 4,5 milhões de habitantes, sendo 1 milhão de brancos, 1,2 milhão de negros escravizados, 1,5 milhão de pardos e mestiços e 800 mil indígenas. Tais números, de acordo com o pesquisador Laurentino Gomes, são considerados razoáveis pelos historiadores. O primeiro censo populacional brasileiro só aconteceria em 1872, quase no final do império.

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